Poema de Filipe Jorge a Álvaro Cunhal (10.Novembro.1913 - 13.Junho.2005)
" álvaro
.
para além de todos os fotogramas míticos
para além de todas as vezes que contigo pessoalmente estive
para além da única vez - creio que em alter - que a sós estivemos
a imagem de ti de que mais gosto
- como já um dia escrevi -
é aquela em que ainda
"ninguém"
és
sentado no areal da praia das maçãs
- onde ainda hoje
nos sentamos
nós -
com as tuas magras coxas
e os escuros calções de banho
pejados de milhentas partículas de areia
matéria (de) contra
a matéria que
eras tu
os joelhos jovens
trazidos até à afiada ponta do teu queixo
- dobrado sobre ti mesmo te abraças a ti próprio -
do teu magro rosto de negros cabelos
ainda molhados do banho
repuxados atrás
deixando evidente a esquerda cartilagem da tua orelha
e o teu rosto assim sobre o lado virado
que frontalmente
nos olha
a objectiva de quem te fotografa
olha(s)
os braços tomando os joelhos
e ambas as mãos agarrando-os
à quase altura dos cotovelos
a tua boca esgueirando
um evidente sorriso
intimista
tímido
.
eu penso-te tímido - tal como eu sou
ainda que não o aparentemos
pois tudo somos capazes
de simultaneamente
ousar -
.
ao lado
entre as areias enrodilhada
repousa uma branca toalha
sinal que alguém por ali
andou...
já que tu directamente sobre
as partículas de nada
que tudo são
te sentas
.
estaria o teu pensamento apenas centrado
sobre quem te fotografava
ou já naqueles anos trinta
olhavas um além
que nunca mais
poderemos
vislumbrar
.
ainda assim acredita
continuamos na senda desse olhar
aqui te o asseguro eu/nós/
o todo/o nosso partido/e não só/
caminhamos
.
fj
escrito ao momento "
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